por Charles Hogg
Charles Hogg revela os segredos para um coração saudável... percebi que não importa quais são as circunstâncias, quando o coração é cuidado, a vida pode ser boa.
Era a minha primeira visita a Calcutá. A estrada do aeroporto estava esburacada e cheia de lombas, e os bandos de abutres olhavam ameaçadoramente para todos os que passavam. O táxi chegou à pensão Red Shield, um pequeno abrigo para viajantes, no coração de Calcutá, próximo ao Memorial da Rainha Vitória. Foi uma semana memorável, observando a vida na “Cidade da Alegria”. Todos os dias, ao deixar a pensão, eu era abordado por duas jovens meninas mendigas, vestidas com vestes sujas e com os cabelos emaranhados em nós grossos. Elas cantavam repetidamente o mantra, “Uma rúpia, uma rúpia”, seguido de um sorriso radiante que brilhava através dos seus rostos e de um brilho travesso nos olhos. Elas ganhavam sempre. Eu procurava no fundo do bolso e tirava uma ou duas rúpias. Eu tinha-me tornado uma fonte bem estável de rendimento, e assim, a cada dia, podia vê-las esperando por mim com o mantra diferente, para “Duas rúpias, duas rúpias”.
Próximo do final da semana, ao sair da pensão, deparei-me com uma senhora idosa acompanhando as meninas. Num inglês mal falado, ela convidou-me para visitar a sua casa. Caminhámos através das ruas até a um grande terreno abandonado, quase todo coberto com tudo o que se possa imaginar: sacos de plástico, caixas de papelão, pneus velhos, bolsas de juta, pedaços de madeira. Muitas pessoas se juntaram para me cumprimentar e ofereceram-me comida e bebida com muito amor e generosidade (talvez financiadas parcialmente por mim!). Juntamente com estas duas pequenas meninas, havia uma estrutura amorosa de suporte dos pais, avós, tios, tias, irmãos, irmãs, primos e outros familiares. Naquele cenário desesperador da mais profunda miséria, não havia nada... nada, a não ser amor, e aquele amor era tão rico que parecia ser tudo o que era necessário. Comecei a pensar que estas duas meninas, que se haviam tornado minhas amigas, eram, de facto, afortunadas. Percebi que não importa quais são as circunstâncias, quando o coração é cuidado, a vida pode ser boa.
No entanto, se o coração está vazio ou quebrado ou fechado, não importa quais sejam as circunstâncias, nada parece satisfazê-lo. Para compensar um coração vazio, desejamos riqueza, ou poder, ou fama, ou qualquer outra coisa para preencher o vazio. Em Agosto de 1997, o mundo ficou chocado com a notícia da morte da princesa Diana. Por um lado, parecia que ela possuía tudo, exceto, talvez um único ingrediente... o amor. Ela almejava o amor verdadeiro. A sua vida foi um exemplo de procura por um amor verdadeiro. Parece que a tristeza e o pesar que o mundo todo sentiu foi o resultado da identificação de todos com a sua procura por amor, para manter verdadeiramente o seu coração. Todos nós estamos a procurar por isso, mas com que frequência o encontramos?
Penso que há poucos momentos na vida em que emergem em nós sentimentos de verdadeiro amor. Um amigo contou-me que ele estava no metro em Toronto, em pleno Inverno. O comboio, na hora de ponta, estava cheio de faces tristes, todas aparentemente isoladas e desconectadas umas das outras. Havia um silêncio frio e cortante. O comboio parou numa estação, as portas abriram-se e entrou uma jovem mulher com um recém-nascido nos seus braços. A inocência e a vulnerabilidade do bebé tocou todos. Um novo sentimento preencheu o comboio. Todas as faces começaram a brilhar com sorrisos cordiais. Aquilo que é autêntico e puro atrai o nosso amor. O bebé não tinha máscaras, barreiras, nem fachadas, e a sua inocência despertou os sentimentos de amor adormecidos nas pessoas que o estavam a observar. As qualidades do bebé tiveram o poder de fazer emergir o amor em pessoas estranhas, simplesmente ao ser ele mesmo.
Recentemente, passei algum tempo com uma pessoa que estava a morrer com cancro. Quando encontrei esta senhora pela primeira vez, ela tinha acabado de receber o diagnóstico e estava deprimida e cheia de medo. A sua experiência de vida havia deixado marcas de profunda tristeza no seu rosto. Mas, durante os últimos meses da sua vida, houve uma mudança radical. A sua face agora irradiava alegria e amor. Ela tinha-se libertado de tantos fardos que carregava há tanto tempo na sua vida. Havia deixado de tentar impressionar, havia-se libertado das mágoas dos outros, havia abandonado a pressão de ser algo que não era, abandonado o complexo de inferioridade. Mas, acima de tudo, havia deixado o medo de morrer, o que a libertou também do medo de viver. Ela descobriu o seu eu autêntico e, como o bebé, tornou-se amável com todos ao seu redor.
Um amigo, uma vez disse-me: “Se lhe fosse dito que teria apenas alguns meses para viver, no que é que acha que isso o mudaria?” Eu pensei muito sobre isto. Pensei que gostaria de acertar os ressentimentos que tinha, de dizer aos outros o quanto eu os aprecio e o quanto eles significam para mim, de deixar todas as tensões triviais com os outros e focar-me no que realmente é importante. Comecei a pensar... Não é assim que eu já deveria estar a viver?
Entre o nascimento e a morte, o que é que acontece? Nós estamos desesperados atrás da experiência do verdadeiro amor sustentador, assim, investimos o nosso coração em relacionamentos com grande confiança e sinceridade. Mas a Lei da Vida é a mudança. Inevitavelmente aquilo que eu amo irá deixar-me um dia, quer seja devido a mudanças, conflitos ou morte. Então, eu invisto o meu coração novamente e a mesma coisa acontece. Esse processo de perda, deixa cicatrizes profundas de medo e insegurança, de forma que à medida que a vida prossegue, coloco grandes barreiras em volta do meu coração. A placa no meu coração diz, “Pare! Proibido avançar além deste ponto!”.
Eu não quero nada além da experiência do amor, mas criei tantas barreiras para impedi-lo. Mesmo se o amor é recebido, é uma forma poluída de amor que dá um alento temporário, mas não sustenta verdadeiramente o coração. Algumas vezes o amor é condicional, um tipo de amor como um contrato de negócio, com cláusulas e sub-cláusulas. Tal amor diz, “Eu vou amá-lo, mas você tem de se comportar da maneira que eu quero, senão o meu amor cessará”.
Ou talvez o amor seja egoísta. Esse amor apenas toma e nunca dá. O coração sente-se vazio. Esse amor diz, “Você existe para preencher o meu coração”, e se as expectativas não são preenchidas, há ressentimento, raiva e sentimento de abandono.
Outras vezes, algumas revistas e programas de TV oferecem-nos uma imagem romântica do amor – pessoas bonitas olhando encantadas umas nos olhos das outras. Essa imagem superficial de amor faz com que a maioria das pessoas se sinta inadequada. A pesquisa mostra que os sentimentos românticos permanecem apenas por 6 a 8 meses, e então, o amor toma novas dimensões. Mesmo assim, para alguns, quando os sentimentos românticos mudam, há o sentimento de que o amor terminou. Então, o jogo moderno de reciclar relacionamentos continua.
Nós também nos tornámos vítimas do amor dependente. Tal amor cria relacionamentos de amor/ódio: amor por causa de suporte, mas o ódio e ressentimento porque eu perdi a minha liberdade. Eu sinto-me sufocado e controlado, mas esqueço que é a minha própria dependência que cria esse sentimento.
Estas formas poluídas de amor, fizeram das doenças do coração um dos principais problemas de saúde do mundo de hoje. Há amor, mas geralmente, não é com a qualidade necessária para curar a doença do coração, desmedida e tão evidente.
Para se criar um coração saudável são necessários três estados principais:
- Um check-up completo do coração.
- Cirurgia cardíaca (se necessário).
- Um programa de manutenção para o coração.
1. O Check-up do Coração
Tenho um amigo que se orgulha da sua forma física. Ele joga squash regularmente e corre, embora leve uma vida extremamente ocupada como advogado e tenha uma jovem família. Um dia, depois de correr, teve uma dor no peito muito forte. Consultou imediatamente o seu médico e os exames mostraram que 90% do fluxo sanguíneo não chegava a algumas partes do seu coração. Ele ficou chocado ao saber disso. A experiência do meu amigo levou-me a pensar: Quanto amor é que chega ao meu coração? Geralmente, não percebemos quão pouco fluxo de amor alcança o nosso coração e, naturalmente, quanto menos entra, menos sai.
Como é que posso verificar o fluxo de amor para o meu coração? Os sinais verdadeiros são o contentamento comigo mesmo e com os outros. O amor puro dissolve o desejo por reconhecimento e respeito dos outros. O amor puro vai também substituir a arrogância pela humildade. O amor puro será tão preenchedor que a minha resposta natural será partilhar amor com os outros. Eu não me sentirei vazio. Então, quão saudável está o meu coração?
2. Cirurgia Cardíaca
Dependendo do meu check-up, posso necessitar de uma cirurgia cardíaca. O coração precisa de três tipos de amor para se tornar completamente saudável; assim, algumas vezes, a cirurgia é necessária para restabelecer o fluxo de amor.
Primeiro Procedimento Cirúrgico – A Abertura do Meu Próprio Coração
Todos sabemos quais são os ingredientes de um bom relacionamento: respeito, confiança, honestidade, franqueza, atenção, compaixão – e a lista continua. Será que estas palavras descreveriam o meu relacionamento comigo mesmo? Como é que eu me trato? Cuido amorosamente do meu coração, ou ponho-me para baixo, agrido-me, subestimo-me? Este comportamento autoagressivo parece estar no âmago da minha dor de coração.
Todos nós queremos amar. Porque é que às vezes isso é tão difícil? Somos educados para amar uma imagem. Será que sou atraente, inteligente, bem-sucedido? Estou a tentar amar as próprias barreiras e as fachadas que construí ao redor do meu coração. Elas não impedem apenas os outros de se aproximarem de mim, mas impedem-me de me aproximar de mim mesmo!
O primeiro procedimento cirúrgico remove a velha auto-imagem do meu corpo, do meu estatuto, da minha beleza, da minha riqueza e substitui isso pela consciência do meu eu espiritual. Primeiro, começo a aceitar-me como sou. Então, quando descubro que o meu estado original intrínseco é puro, começo a curar-me profundamente, e os sentimentos amorosos pelo meu eu autêntico e verdadeiro emergem. Esta é a história da “Bela Adormecida”. A parte bela e adorável do meu coração estava trancada num grande castelo escuro, coberto pelos sofrimentos, pelas dores e pela tristeza. O príncipe dá o beijo da auto-consciência que me permite acordar e amar o meu eu verdadeiro.
Segundo Procedimento Cirúrgico – Abrir o Meu Coração para o Amor de Deus
O coração tornou-se tão frágil e sensível porque eu sentia que não era digno de amor. Não podia aceitar amor de ninguém, especialmente de Deus, porque não eu me sentia digno.
Mas agora que descobri o meu eu autêntico e puro, essa parte de mim pode aceitar o amor de Deus. Às vezes gosto de me sentar em silêncio e permito-me ser amado por Deus. Coloco todos os outros pensamentos de lado. Este amor é um tónico tão revigorante que transforma um coração fraco em forte, um coração quebrado em inteiro, um coração vazio em preenchido, um coração fechado em aberto. Este é o verdadeiro amor que eu sempre havia procurado, porque por definição, o amor verdadeiro é o amor que existe sempre. Este amor não me pode deixar.
Terceiro Procedimento Cirúrgico – Dar e Aceitar o Amor dos Outros
Quando o meu relacionamento com o meu próprio coração é forte e o coração de Deus está perto, tenho a base para cuidar do meu coração em qualquer situação. Não apenas para manter o meu próprio coração, mas a minha interação com os outros também ajuda a curar o seu coração.
No meu kit de manutenção do coração eu tenho algumas ferramentas especiais que me irão ajudar a manter o meu próprio coração e o coração dos outros. Antes de começar qualquer procedimento de manutenção, preciso decidir que ferramentas serão mais efetivas em cada situação. É sugerido, se possível, ter alguns minutos de silêncio para discernir claramente qual o procedimento e quais as ferramentas necessárias.
A Ferramenta Desapego: esta ferramenta é essencial para qualquer kit de manutenção do coração. Para me tornar verdadeiramente amoroso, devo ser desapegado. Isto parece contraditório? Quando sou dependente, sou afetado e influenciado por aqueles de quem sou dependente. Qualquer palavra ou expressão facial pode afetar o meu humor. No entanto, se eu usar a ferramenta do desapego de envolvimento, o meu amor e suporte poderão ser constantes, independentemente do humor dos outros.
A Ferramenta Bons Votos: esta ferramenta é incrivelmente versátil e pode consertar a maioria dos corações. Ela surge da realização de que a fundação dos relacionamentos positivos é ter bons sentimentos. Esta ferramenta pode consertar o cinismo e a desconfiança, e pode ajudar a abrir corações que estão fechados. Para que a ferramenta seja efetiva, preciso de reconhecer as qualidades positivas da outra pessoa e ter o compromisso de manter a minha visão naquelas qualidades, independentemente das suas flutuações.
A Ferramenta Perdão: esta ferramenta é extremamente efetiva para limpar o lixo do passado. Ela pode dissolver os velhos sentimentos enferrujados e limpar a atmosfera. Assim que a ferramenta perdão é usada, instantaneamente alivia a dor do coração e geralmente o paciente comenta, “Ah, se eu tivesse usado esta ferramenta antes!” Esta ferramenta funciona melhor com corações partidos, que simplesmente não conseguem abandonar os sentimentos de raiva e ressentimento.
A Ferramenta Respeito: esta ferramenta funciona melhor com corações pesados, os corações que carregam o peso de muitos erros e falhas, e quando nós simplesmente não conseguimos ver nenhuma beleza no nosso próprio coração. A crença dominante é que eu não sou digno de amor, e como resultado disso, não há autorrespeito. Tais corações esperam que os outros não os amem ou não gostem deles. A ferramenta respeito reacende o autorrespeito e começa a remover o peso.
A Ferramenta Meditação: esta é uma ferramenta essencial em qualquer kit de manutenção do coração. Quando o utilizador sabe como utilizá-la, torna-se especialista em cuidar do seu próprio coração. Esta ferramenta mostra-nos como verificar regularmente o nosso próprio coração e verificar se o fluxo de entrada e saída de amor verdadeiro está regular. Um utilizador experiente com esta ferramenta, pode diagnosticar instantaneamente se ocorreu um bloqueio em algum lugar e pode começar a removê-lo.
3. O Meu Programa de Manutenção do Coração
O meu programa contínuo de manutenção do coração necessita de uma dieta saudável e exercícios regulares. Uma dieta saudável consiste de um consumo equilibrado de pensamentos e sentimentos positivos e amorosos. Preciso de ter cuidado para não consumir pensamentos “gordurosos” de autoapreciação negativa, que obstruem o meu fluxo de amor. Os exercícios para o meu coração consistem em dar amor aos outros. Se eu fizer este exercício diariamente, isso ajudará a manter o meu coração saudável.
Quando eu tiver aprendido a Arte de Manutenção do Coração, terei descoberto o segredo da essência de uma vida feliz e plena.
Charles Hogg é diretor dos Centros da Brahma Kumaris na Austrália.